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A casa de encantos e do axé: documentário sobre o Estúdio WR busca recursos para ser lançado.

Publicada em 02/03/24 às 17:44h - 12 visualizações

por Bianca Andrade


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 (Foto: Studio WR)

A teoria do Big Bang, uma das mais aceitas cientificamente para comprovar o início de tudo, pode ser utilizada como sinônimo para justificar o início de outras coisas, para além da criação do universo atual. 

Em uma analogia à explosão que há cerca de 15 bilhões de anos deu origem ao que somos hoje, para se ter o que conhecemos hoje como ‘Axé Music’, foi necessária uma explosão em algum lugar da Terra, sendo a terra em questão, Salvador, mais especificamente o endereço da “casa do axé”, os estúdios do administrador e advogado Wesley Rangel (1950-2016), o Estúdio WR, criado em 1975, que foi berço do movimento revolucionário na música baiana.

E é a história deste local e de quem fez ele acontecer que o editor de áudio Nuno Penna e a jornalista Maira Cristina querem contar no documentário “Alegria da Cidade”, que vem sendo produzido com recursos próprios há mais de 10 anos, na esperança de fazer a fantasia, tão cantada por diversos intérpretes da música baiana em ‘Baianidade Nagô’, ser eterna. 

“Eu tive a ideia de filmar, começar, na verdade, a registrar as pessoas mais velhas que fizeram parte da história da WR, porque eu sabia que eles estavam começando a ficar mais velhos e a gente ia perder um pouco a capacidade de, através deles, entender essa história. Na época, Rangel já estava diagnosticado com câncer, e eu comecei primeiro sem um roteiro, sem uma ideia definida de um documentário, pensei mesmo em começar a entrevistar as pessoas para ter esse registro”, conta Nuno. 

A ideia surge, além de um desejo de marcar a história de um dos espaços mais importantes da música baiana, como uma forma de eternizar as próprias memórias de Nuno, que iniciou a carreira como editor de áudio nos estúdios de Rangel, com uma chance dada pelo produtor musical. 

“Foi o meu primeiro trabalho e quando eu entrei, que vi aquela história eu fiquei fascinado. Eu entrei lá em meados de 98. Fiz a entrevista no dia do aniversário de Rangel, ele me deu uma carona até em casa e a gente foi conversando sobre a proposta de estágio. A WR me formou na prática, como grande parte dos operadores que trabalharam lá. A maioria da mão de obra era formada na prática, né? Eu não tinha conhecimento, mas tinha muita vontade.”

Ao lado de Maira Cristina, Nuno conta, através de depoimentos, imagens de arquivo e músicas que marcaram época, a história das mãos, vozes e cabeças pensantes responsáveis por grandes momentos da música baiana, como um dos discos mais importantes de Lazzo Matumbi, autor da canção que dá título ao documentário. 

“Nuno me ligou em busca de uma pessoa para ser assessora de imprensa desse projeto, e como eu sou muito amiga, eu disse ‘Não quero ser assessora, quero fazer o roteiro’. Eu já conhecia a história, o estúdio e entendia um pouco também essa importância WR pra sonoridade da Bahia. Fora que uma coisa que eu achei muito forte no projeto foi essa ideia de falar no estúdio e de quem estava lá desde o começo”, conta a jornalista. 

Para isso, a dupla foi atrás dos bastidores da canção, entre eles Nilton César Lacerda dos Santos, o baterista Cezinha, que tem papel importante em grandes álbuns da música baiana.

“A gente quis ouvir os músicos envolvidos nessas gravações. No documentário a gente tem um cuidado com essa coisa do técnico. Ouvimos os artistas, é claro, mas buscamos ouvir os músicos, os coristas, guitarristas, percussionistas, baixistas. Queremos a voz dessa galera que não está na frente, na capa do disco, mas que está ali nos créditos. Cesinha, que era baterista de Luiz Caldas na época do Acordes Verdes e que hoje toca com todo mundo, ele tem uma memória tão rica e entende tanto do axé, do negócio da criação como qualquer artista, entendeu? Mas de repente esse cara nunca foi ouvido.”

Em uma caminhada independente, Nuno e Maira conseguiram reunir depoimentos de figuras importantes para a “casa do axé” e de tantos outros ritmos para os quais Rangel abriu as portas ao longo dos anos, como reggae de Edson Gomes, o samba de Roberto Mendes, o forró de Zelito Miranda, o rock da Camisa de Vênus, mas brigam para fazer com que essa história consiga ser ouvida ao redor da Bahia e do Brasil.

“É muito cansativo você ter um documentário, que fala sobre, talvez, a maior revolução musical brasileira desde a Bossa Nova, e não ter tanto apoio. Isso, no sentido de que a música que nasceu aqui quebrou padrões muito consolidados, seja na forma, na técnica, seja no conteúdo. A Bahia se orgulha muito do 2 de julho, da independência, mas a independência musical para a Bahia só veio a partir de 85, foi quando a WR grava e consegue estourar no Brasil todo, tocar nas rádios um disco gravado e mixado aqui. Antes disso, qualquer artista que tivesse a pretensão de fazer qualquer tipo de música, seja rock, seja MPB, bossa nova, samba, ele não teria espaço na Bahia, seja para gravar, seja para depois de gravar conseguir com que essa música entrasse nas rádios. Porque havia toda uma estrutura pronta que estava no Rio-São Paulo. A WR foi o primeiro estúdio, fora do eixo Rio-São Paulo, a produzir música em escala e fazer sucesso a ponto de vender mais que artistas do eixo. Como é que essa revolução, que aconteceu aqui, não atrai pessoas que detém o poder de financiar essa história?”

Desde que o documentário começou a ser produzido, em 2013, até os dias atuais, Nuno conta que inscreveu o projeto em todos os editais do município, estado e federal, no entanto, não conseguiu ser contemplado. 

“Hoje, a gente está partindo para um momento que é bater na porta das empresas para tentar algum financiamento, um patrocínio em troca de divulgação da marca. O nosso perfil foi criado justamente para que a gente consiga demonstrar de forma natural e orgânica a força que essa história tem, mostrar que esse filme tem uma força e que a gente vai conseguir ter uma visibilidade boa para alguma marca.”

O valor arrecadado será direcionado para o aprimoramento do material, para o pagamento das questões com direitos autorais e para a produção de um evento de lançamento para o projeto.

"Na montagem do filme. A gente usou algo em torno de 13 fonogramas, que são as músicas que já foram gravadas. A única regravação que a gente fez foi ‘Alegria da Cidade’, que dá título ao filme, mas o resto é basicamente fonograma. E a gente precisa pagar o direito para poder veicular e poder exibir o filme. Enquanto a gente não tiver esse dinheiro, o filme vai estar no HD aqui no estúdio. Fora que nós queremos fazer um lançamento digno desse material, convidar quem participou da produção, quem fez parte da história.”

Uma das boas notícias envolvendo o documentário ‘Alegria da Cidade’ é que em 2024 ele foi selecionado para um importante festival de cinema brasileiro, e a história começa a deixar o HD para ganhar as telas. 

“Através desse perfil nas redes sociais estão chegando pessoas que estão ajudando, e colocando um pouco de energia nisso. A gente já conseguiu ser selecionado para um Festival importantíssimo. O nosso filme tem força, a história tem força para sair do papel e ganhar o Brasil, porque ele não interessa só a Bahia. A música baiana tem força no mundo todo e eu acho que essa história representa muito bem a nossa cultura.”

Com cerca de 90% do documentário já pronto, Nuno e Maira citam algumas figuras que ainda faltam ser entrevistadas para o documentário, mas pontua que a demora no lançamento se dá mesmo pela falta de verba de patrocinadores interessados em contar a história de uma das partes mais importantes da música baiana nas telonas. 


"A gente não teve data, não teve tempo para entrevistar, por exemplo, uma mulher que conseguiu emplacar na música, quase igual a Luiz Caldas, e que era uma pessoa queridíssima do Chacrinha, que é a Sarajane, por exemplo. Ela explodiu junto com Axé, junto com o Luiz e que estava desde do comecinho da WR. Ela, que levou Cezinha para lá. Tem Margareth também, que é uma outra grande potência da nossa música e estourou mundialmente antes de todo mundo. Então, se conseguirmos eles a história fica ainda mais completa.”

A história se fez ali, desde a gravação de grandes discos da música baiana que renderam ao Estúdio WR uma comparação à lendária Motown, aos desafios de registrar pela primeira vez a percussão baiana com uma técnica inovadora que permitisse transmitir com qualidade o som dos tambores, dos agogôs, dos atabaques e dos timbaus, ao incentivo para criação de projetos que mudariam o curso da cultura local, como a Timbalada.

“A WR era um lugar que reunia pessoas para se fazer música. Ali foi o maior ponto de encontro musical que a gente já teve, mas isso foi uma época aqui em Salvador. Você tinha um lugar aglutinador, e isso possibilitou a criação de música. Era um lugar que unia todos os gêneros, o povo do axé com o povo do rock. Mais do que um estúdio, a WR era um lugar que centralizava os artistas, as pessoas ligavam para lá para pedir o contato de outros músicos, ou chegava lá para encontrar alguém e produzir. O estúdio ainda existe, a parte física, mas o que a gente tinha antes dificilmente volta a acontecer. Acho que era muito de Rangel, ele era muito assertivo nisso e mudou a história da música com esse projeto.”

O endereço segue o mesmo, Rua Maestro Carlos Lacerda, na Avenida Anita Garibaldi, e é possível que se encontre alguns dos antigos rostos que por ali circularam e marcaram a história iniciada por Rangel, mas algo como foi a WR quando ela surgiu, dificilmente será encontrado em algum lugar, e por isso a importância de deixar a história marcada.

“O formato de se gravar música mudou muito com o tempo, e no documentário a gente traz um pouco disso, a derrocada da WR. O modelo de negócio para uma WR, como a gente teve na década de 80 e 90, eu não consigo ver até porque é outra coisa hoje. As músicas são outras, não tem a ver com a qualidade da música, não é questão de conteúdo, é a forma de se fazer.”

FICHA TÉCNICA DO DOCUMENTÁRIO ALEGRIA DA CIDADE


Produção Executiva: Nuno Penna 


Dirigido por: Maira Cristina e Nuno Penna 


Roteiro: Maira Cristina 


Direção de Fotografia: Jásio Velásquez 


Produção: Val Benvindo e Igor Penna 


Montagem: Igor Caiê Amaral, Álvaro Ribeiro e Nuno Penna 


Colorista: David Júnior Mixagem: Nuno Penna









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